BACALHAU OU BACCALÀ?

by RitaCameira
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Que em Portugal se come muito bacalhau, é sabido. Já contei que temos uma receita diferente para cada dia do ano e portanto não vou aqui falar do quanto é apreciado este peixe por terras lusas mas contar que também em Itália se come bastante. Claro, não existem assim tantas formas de o cozinhar, para isso têm as massas, mas desde bacalhau amanteigado, bacalhau à siciliana, ou bacalhau frito, de Norte a Sul de Itália vai-se comendo este peixe.

Da minha experiência, e observação, a grande diferença está na forma de o conservar. Se por um lado em Portugal todo o bacalhau é salgado e seco aqui em Itália ou é salgado ou é seco. Trata-se do mesmo peixe conservado de forma distinta e portanto com nomes diferentes: baccalà e stoccafisso.

Baccalà: pescada salgada num processo que dura 3 semanas e faz-se todo o ano. Pode também ser chamado de merluzzo salato.
Stoccafisso: pescada seca ao ar livre com ajuda do vento e do sol, sem recurso ao sal, e faz-se de Fevereiro a Junho. Pode também ser chamado de merluzzo essicato e é muito usado no Norte de Itália, na regiãoVeneto. 
Bacalhau: nome dado a peixe limpo,tratado com sal e seco.

A salgadura do baccalà é muito mais superficial em Itália em relação ao bacalhau. No primeiro conseguem-se distinguir perfeitamente os grãos de sal grosso, que se chegam a separar do peixe quando o manejamos. Já o bacalhau apresenta-se com uma espécie de película de sal seco que sigila todo o peixe.

Também a proveniência do peixe é importante para garantir um bom sabor de mar à mesa. Em Portugal o “senhor” Bacalhau é o peixe que provém do Atlântico Norte, da espécie gadus morhua. De cor palha e uniforme, trata-se da melhor qualidade de bacalhau norueguês, que se desfaz em lascas claras e tenras. É também a única espécie que em Itália se usa para fazer stoccafisso.
Depois desta qualidade, por terras lusas, assim como em Itália, encontram-se mais qualidades de bacalhau, de qualidade inferior, sendo a mais difusa a gadus macrocephalus, de aparência semelhante ao gadus morhua mas pescado no Pacifico Norte. Uma das maneiras de diferenciar os dois é pelo rabo e as barbatanas que no macrocephalus têm um bordado branco nas pontas. Este último tem a pele e carne bem mais claras do que o gadus morhua e não se desmancha em lascas perfeitas.

Aqui em Foligno normalmente encontro baccalà proveniente do Pacifico Norte, e portanto um peixe conservado em grãos de sal maiores e mais hidratado em relação ao que compro em Portugal, e são estes os dois peixes que mostro nas fotografias.

O stoccafisso chega a Itália quando, em 1432, Pietro Querini, navegador e comerciante veneziano, regressa à sua cidade de origem depois de passar vários meses na Noruega na consequência de um naufrágio ao largo das ilhas de Lofoten.
Durante o seu tempo de permanência na ilha de Rost, para onde foi resgatado com a tripulação que sobreviveu, pôde observar como ali se pescava, curava e conservava o stokvisstockfishstoccafisso. Ali consumia-se este estranho peixe, duro como a madeira, depois batido com um bastão e, quando foi hora de regressar, trouxe-o consigo.
Mas voltou para uma Veneza rica de peixe fresco, que não deu grande importância ao bacalhau embora o reconhecesse saboroso e alimento válido para as longas jornadas em terra ou mar por se conservar muito tempo.
Quando, volvido um século do regresso de Pietro Querini, o Concílio de Trento de 1563 impõe a abstinência de carne durante 200 dias e recomenda o consumo de bacalhau às quartas e sextas-feiras, este alimento vindo no Norte invade não só as mesas do povo como também a dos nobres e Papas e consagra-se prato da cozinha italiana quando Bartolomeo Scappi o introduz no seu receitário.

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